Redação Rios
BRASIL – A bancada do agronegócio quer anular questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que, segundo os parlamentares, apresentam críticas ao setor com “cunho ideológico e sem critério científico e acadêmico”. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que possui 347 congressistas, cobrou explicações do ministro da Educação, Camilo Santana.
Parlamentares da oposição ao governo Lula usaram as redes sociais para criticar as questões, incluindo o senador Sérgio Moro (União-PR) e os deputados Bia Kicis (PL-DF) e Nikolas Ferreira (PL-MG). Eles consideraram viés ideológico na prova.
Economistas criticaram sobretudo duas questões. A principal tinha um texto que dizia que, no Cerrado, o “conhecimento local” está subordinado “à lógica do agronegócio” e o “capital impõe conhecimentos biotecnológicos” que trazem consequências negativas. O trecho faz parte de um artigo que foi publicado na Revista de Geografia da Universidade Estadual de Goiás.
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“É de um esquerdismo raso, o que me parece ter um viés doutrinário”, diz o economista Alexandre Schwartsman. Para ele, as questões refletem um pensamento de muitos professores e não necessariamente apareceram por se tratar do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
As questões são elaboradas por professores externos ao MEC e também foram criticadas por economistas ouvidos pela reportagem, mas defendidas por professores.
Também houve crítica à prática de dumping, o que aparece em um texto selecionado do geógrafo Milton Santos, premiado internacionalmente e morto em 2001, no livro Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência universal. Segundo Schwartsman, Santos é um autor “importante”, mas com “viés marxista”.
“A competitividade é vista como algo bom na economia”, afirma Armando Castelar, professor e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Para ele, as duas questões têm textos “carregados e adjetivados”. A questão que menciona o Cerrado também demonstra “preconceito”.
“O Centro-Oeste tem obtido ganhos significativos em termos de emprego e renda e caminha pra ter provavelmente a menor desigualdade de renda do país na próxima década”, diz o economista da MB Associados Sergio Vale. Para ele, o agronegócio aparece sempre com “um viés negativo, como se fosse um vilão a ser abatido”. “Mas não fosse o agronegócio e as demais commodities o país estaria em crise econômica profunda”.
FPA
“É inacreditável o governo federal se utilizar de desinformação em prova aplicada para quase 4 milhões de alunos brasileiros que disputam uma vaga nas universidades do Brasil. A anulação das questões é indiscutível, de acordo com literaturas científicas sobre a atividade agropecuária no Brasil e no mundo, em respeito à academia científica brasileira”, afirma a FPA em nota, dizendo que também pediria informações sobre a atuação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que é a banca organizadora do Enem, e detalhamento das “referências bibliográficas utilizadas para a construção do exame”.
O Inep também informou que não interfere nas questões. Elas são selecionadas de um banco de questões, passando por um pré-teste.
A visão dos professores
Para professores do Curso e Colégio Objetivo, no entanto, a prova não teve problemas e abordou assuntos comuns à sala de aula. As questões criticadas são de conteúdos estudados em Geografia. Para o professor Eduardo Brito, elas mostram uma “visão crítica” que precisa ser levada ao aluno. “É uma Geografia que faz o aluno pensar”, afirma. Santos, segundo ele, autor do texto na questão sobre globalização, é amplamente estudado no ensino médio e considerado uma “referência”. “Não vejo viés ideológico, o trecho fala de como a competitividade pode gerar desigualdades”, afirma.
Nem Caetano resolve questão sobre música
Não tem certeza se acertaria uma questão sobre as músicas de Caetano Veloso? Não se preocupe, nem o próprio cantor soube responder. Caetano foi tema de uma questão no Enem que perguntava o que as letras das canções “Alegria, Alegria” e “Anjos Tronchos” tinham em comum, “embora oriundas de momentos históricos diferentes”. Nesta segunda-feira, 6, a mulher do cantor, Paula Lavigne, publicou um vídeo com a resposta dele.
No registro, o artista aparece de pijama analisando a questão no celular. “Quando eu li, achei que são todas”, diz Caetano a princípio. “Referência ‘às cores como elemento de crítica a hábitos contemporâneos’, na verdade tem isso nas duas letras”, diz ele em referência à opção A. Em seguida, Paula pergunta se o cantor não acha que a resposta certa é a B – alternativa que apareceu na maioria dos gabaritos extraoficiais. Caetano então analisa: “‘Percepção da profusão de informações gerada pela tecnologia’. É, está certo. B”.
O artista diz que a alternativa C, que fala da “contraposição entre os vícios e as virtudes da vida moderna”, também pode estar presente nas duas canções. Ele passa então a avaliar a alternativa D: “Busca constante pela liberdade de expressão individual”. “B e a D são as mais apuradas assim”.
*Com informações da Agência Estado