Vívian Oliveira – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – A morte do músico Teixeira de Manaus, aos 79 anos, mergulhou a Amazônia em um luto melódico. A partida do artista não apenas encerra uma trajetória notável, mas também destaca o rico fenômeno sociocultural chamado Beiradão, imortalizado pelo seu saxofone à beira dos rios da região.
Teixeira emergiu como uma verdadeira estrela nas décadas de 70 e 80, expressando os ritmos que ecoavam nas festas da capital Manaus, nas entranhas da Amazônia e ganhando destaque nacional, com a conquista de um disco de Ouro, em 1983, com o álbum “Solista de Sax”.
Em entrevista, o Teixeira revelou que quando foi convidado por Pinduca para gravar o disco, duvidou da proposta, pensando ser uma “cascata”. “O Pinduca insistiu muito e eu pensava que só ia ser uma participação no disco dele”, disse o artista amazonense.
“Cheguei lá e vi aquele rapazinho tocando saxofone, mas tocando numa velocidade muito boa! Eu me agradei”, afirmou Pinduca, na época.
Esse trabalho não só transformou sua história, mas também contribuiu para a música na Amazônia. “A música do Beiradão não deixa de ser a música popular do caboclo, que gosta do que é bom”, disse Teixeira em entrevista ao jornalista e cineasta, Paulo Moura.
Origem do nome
O termo “Beiradão” tornou-se uma marca registrada das festividades no interior do estado do Amazonas. A tradição, enraizada nas comunidades ribeirinhas às margens dos rios, ganhou destaque desde 1958, quando o escritor Álvaro Maia lançou o livro homônimo.
Álvaro usava o termo para falar das margens dos rios de águas brancas, povoadas pelos primeiros desbravadores daquelas terras e seus descendentes.
Observador apaixonado, o escritor narra fatos e personagens reais que habitaram no rio Madeira, localidade onde nasceu. Considerado um dos mais importantes estudiosos sobre a Amazônia, Álvaro Maia foi poeta, historiador, jornalista e professor, além de ter sido deputado federal, senador e governador do Amazonas.
As festas nos beiradões, marcadas por danças nos terreiros e sedes, remontam a uma época anterior à existência de rádios e se entrelaça com o ciclo da borracha, no início do século 20 (entre 1880 a 1910) e a migração nordestina, moldando os ritmos latinos como Salsa, Merengue e Carimbó, que Teixeira de Manaus acabou incorporando ao seu repertório. O saxofone, disseminado pelas bandas militares, se tornou o coração pulsante dessas festividades.
Embora outros saxofonistas, como Chico Cajú, Souza Caxias e Agnaldo do Amazonas, também brilhassem nos beiradões, Teixeira pode ter sido um dos pioneiros ao introduzir refrãos em suas músicas, inovando no estilo que ecoaria por décadas.
Em uma entrevista concedida em 2015, Teixeira de Manaus acha que pode ter inventado este estilo. “Fiz ‘Lambada Pra Dançar’ e botei um refrãozinho, que até aquela altura não tinha música com refrãos, era cantada ou instrumental. Então, eu acho que criei esse estilo de tocar e soltar duas frases no refrão”.
Julian Spinellis, pesquisador de “Beiradão: do estilo à educação musical nas barrancas dos rios da Amazônia”, destaca a influência contínua dessa tradição na cultura contemporânea. A música de beiradão transcende o literal, carregando consigo elementos profundos da vida interiorana.
Instrumentos
Na história das festividades dos beiradões, a influência da migração nordestina se destaca, evidenciada pela presença de instrumentos como violino, rabeca e sanfona.
Enquanto a sanfona era popular nas regiões fronteiriças com o Acre e a Colômbia, o saxofone emergia como o instrumento de maior relevância em todo o Amazonas.
A ascensão do saxofone foi impulsionada pelas bandas militares do Amazonas, essenciais na popularização do instrumento entre os ribeirinhos. Teixeira de Manaus se tornou um dos destaques e contribuindo para a música amazonense.
Beiradão para as novas gerações
Atualmente, o ritmo do Beiradão é perpetuado pelas novas gerações de músicos que não só executam o ritmo mas também pesquisam e registram na história do Amazonas os precursores do fenômeno.
Destacam-se Rafael Ângelo, mestre em música, com o documentário “Poética dos Beiradões“; Elizeu Costa, professor, e sua pesquisa “Yo Cantare: Uma análise nas técnicas de composição e interpretação executadas pelo saxofonista amazonense Teixeira de Manaus”; Paulo Moura, jornalista, com o filme “O Áureo da Música do Beiradão nas Rádios Manauaras (Difusora e Rio Mar) na Década de 80”; e o professor Bernardo Mesquita com o livro “Das Beiradas ao Beiradão: A música dos trabalhadores migrantes no Amazonas”.
Tais influências comprovam que o Beiradão transcende o tempo e revela-se uma fonte de riqueza cultural no coração do Amazonas. Estudiosos contemporâneos têm assegurado que suas notas continuem a ecoar pelos rios e corações das futuras gerações, pois o ritmo é mais que um estilo musical: é um patrimônio cultural que persiste, inspira e conecta, prometendo perenizar-se nas sinfonias que embalam o Amazonas.