Gabriela Brasil – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – Em 2022, crianças e adolescentes foram as principais vítimas de estupro no Amazonas. Dos 722 casos registrados no último ano no Estado, quase 90% foram estupro de vulnerável. O crime é caracterizado pela violência sexual cometida contra menores de 14 anos ou contra pessoas incapazes de consentir a um ato sexual.
Ao todo, 622 estupros de vulneráveis foram registrados no Amazonas, em 2022. O levantamento da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) também revela um aumento em relação ao ano de 2021, quando foram registrados 556 casos: um crescimento de 11,8%.
Já entre janeiro a março, de 2023, a secretaria registrou 106 casos. Assim como nos anos anteriores, o perfil das vítimas também se repete: cerca de 88% delas foram menores de idade, totalizando 94 casos.
No entanto, diferente da tendência de casos que vinha desde o ano anterior, com a média de 45 vítimas mensais, o mês de março deste ano registrou uma queda significativa com 11 casos.
Em janeiro de 2023 foram cerca de 42 vítimas, já em fevereiro, 41. Nesse sentido, o levantamento aponta redução de 73% de fevereiro a março. O índice baixo de casos supera o mês de novembro de 2022, que registrou 33 vítimas.
Já em relação à exploração sexual de crianças e adolescentes, o Amazonas registrou, em 2023, cerca de 53 casos. De janeiro a março, o número de vítimas caiu de 30 para 13.
Normalização e consequências
Para a psicóloga Neyla Siqueira, atuante na Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania (Semac), os dados explanam o retrato cruel de uma sociedade que normaliza a violência sexual contra crianças e adolescentes no Amazonas.
“Aqui na nossa região, nós temos a fala sobre a criança como se fosse um jovem adulto. Existe a máxima de que casamento infantil e casos como esse não são relatados como abuso sexual e que são culturais. Não são culturais, é criminal. É a normalização de um crime”
Neyla Siqueira, psicóloga
Conforme Neyla, as principais vítimas são meninas, mas há casos de violência sexual contra meninos. A psicóloga ambém destacou que, mesmo com o alto número de casos registrados, ainda há subnotificação no Amazonas.
Há cinco anos, a psicóloga Neyla disse ter atendido uma paciente que relatou tardiamente ter sido vítima de abuso sexual quando era criança. “Esse foi o primeiro momento que ela conseguiu falar”. O relato doloroso e delicado foi revelado 30 anos após o crime, e aconteceu durante a Campanha do Maio Laranja, de sensibilização sobre a prevenção e o enfrentamento da exploração sexual infantojuvenil.
“Esse foi o caso proveniente de uma Campanha Maio Laranja. Ela ouviu no CRAS [Centro da Referência de Assistência Social] sobre o quanto que é importante que se fale e se denuncie. No momento que eu estava atendendo a demanda dela que não tinha relação com esse tipo de crime ela relatou”.
As consequências para as vítimas de abuso sexual contra menores de idade, de acordo com a psicóloga, podem perdurar para a vida toda, caso não seja tratado ainda na primeira infância ou adolescência.
A violência também pode interferir diretamente no rendimento escolar, no aprendizado e interação social da vítima. “Muitas vezes, a criança se retrai ou se isola, ou a criança tem comportamentos agressivos”, explicou a profissional, que disse ainda:
“Tirar a inocência de uma criança, ou invadir a sua privacidade, são marcas muito fortes. É um corpo violado. Então, isso marca o ser humano. Isso pode trazer problemas lá na frente como ansiedade, depressão, fobias e agressividades e traumas na própria vida sexual quando crescerem”
Neyla Siqueira, psicóloga
Prevenção e combate
Em Manaus, o Centro da Referência de Assistência Social (CRAS) trabalha com a prevenção e com canais de denúncia de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. De acordo com Neyla Siqueira, além do CRAS, a denúncia pode ser feita também no Conselho Regional de Serviço Social (CRESS), na Defensoria Pública, ou na Delegacia da Infância e Juventude.
“O CRAS é a prevenção de violação de direitos, enquanto que o CRESS trabalha quando o direito é violado. Nos CRESS são realizados os atendimentos de caráter emergencial e acompanhamento das vítimas. É trabalhado com as crianças que sofrem abuso sexual a ressignificação desse abuso”, informou.
Neyla Siqueira, psicóloga
A prevenção e combate à violência sexual de crianças e adolescente passa por três frentes. Conforme a psicóloga Neyla Siqueira, o primeiro deles é o acesso à informação tanto para as crianças e adolescentes, quanto para os familiares e comunidade.
Já o segundo ponto é em relação à intervenção dos casos que já existem, com trabalhos a partir das denúncias. “É preciso intervir e estar junto, saber o que está acontecendo e fazer valer o direito dessa criança e adolescente”.
A terceira frente é baseada na implementação de políticas públicas de intervenção e prevenção do abuso e exploração sexual.
“Não adianta termos uma criança protagonista, com autonomia sobre o próprio corpo, uma comunidade que seja esclarecida e saiba como prevenir e denunciar, termos equipamentos, se não termos um poder público voltado para a causa”.
Delegacia
Na Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente, há diversos tratamentos e desfechos para situações de abuso sexual de crianças e adolescentes.
De acordo com a delegada Juliana Vigo, no caso de flagrante delito é determinada a prisão em flagrante.
“A vítima se submete ao depoimento especial, exame de corpo de delito, atendimento médico pelo SAVVIS na maternidade Moura Tapajoz e se necessário pode ser encaminhada ao abrigo”
Juliana Vigo, delegada.
Já se o crime aconteceu em outra ocasião, a qual não seja possível realizar a prisão em flagrante, a vítima é encaminhada ao depoimento especial, onde será acolhida. Também será feita a coleta de elementos de investigação.
Em seguida a vítima passa pelo exame de corpo de delito e atendimento médico na maternidade Moura Tapajoz.
Em muitos casos, a delegada destacou que é necessário solicitar medida protetiva e afastamento do suspeito e da vítima. Esse pedido é feito por uma autoridade policial à Justiça. Para ela, a violência sexual pode ser impedida com a presença constante dos pais.
“Os responsáveis devem esclarecer quanto às condutas proibidas e devem observar as partes íntimas das crianças, bem como seus comportamentos, analisando se houve uma mudança repentina de comportamento, tanto com condutas mais agressivas quanto com condutas depressivas”, alertou.