Letícia Rolim – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – Com o aumento do uso de dispositivos eletrônicos, como celulares, tablets e televisões, as crianças estão cada vez mais expostas às telas. Embora a tecnologia tenha seu valor no cotidiano, o uso excessivo pode trazer impactos negativos ao desenvolvimento infantil.
A preocupação aumenta visto que muitas vezes, os aparelhos são utilizados pelos pais para entreter os filhos sem limitação de tempo.
Porém, o uso excessivo desses aparelhos levanta questões sobre o quanto isso pode ser prejudicial. O Portal RIOS DE NOTÍCIAS conversou com duas especialistas para entender melhor como a exposição prolongada às telas afeta as crianças.
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A psicóloga Déborah Pacheco destacou os principais impactos psicológicos relacionados a esse fenômeno.
“A exposição excessiva às telas acentua o déficit de atenção, eleva o grau de ansiedade e diminui habilidades cognitivas e laborais. Isso também pode ocasionar atraso no desenvolvimento cognitivo”, explicou.
Déborah ainda mencionou que esse desgaste neurológico pode agravar o sedentarismo e gerar problemas endócrinos, uma vez que as crianças costumam priorizar o tempo de tela em detrimento de outras atividades.
Já a terapeuta psicanalista Samiza Soares ressaltou que o uso prolongado das telas compromete as habilidades sociais das crianças.
“A interação com a tela passa a ser mais importante do que a interação com pessoas, o que pode gerar isolamento e dificuldades em desenvolver empatia e comunicação eficaz”, explicou.
Samiza também alertou para o aumento da impulsividade e da dificuldade de concentração, o que impacta diretamente no desempenho escolar. Além disso, ela observou que a exposição a conteúdos inadequados e o excesso de estímulos digitais podem levar à irritabilidade, cansaço mental e afetar o bem-estar emocional.
Estudo
Um estudo publicado em julho de 2024, na JAMA Network Open, revelou, a partir de uma pesquisa com crianças, que o uso excessivo de mídia pode causar problemas de atenção, atraso na linguagem e questões socioemocionais.
O estudo de coorte indicou que um jogo para tablet com tela sensível ao toque estava associado a uma redução na atenção conjunta entre crianças pequenas, tornando-as menos propensas a responder a solicitações comportamentais.
O artigo concluiu que o uso de um jogo comercializado para tablets, voltado para crianças, diminuiu a atenção conjunta e reduziu as respostas comportamentais.
“Isso sugere que, mesmo em um ambiente de laboratório, as crianças têm menos probabilidade de se envolver com adultos atentos proximais ao usar um dispositivo de mídia de tablet. Isso pode diminuir oportunidades importantes de aprendizado e desenvolvimento socioemocional”, diz o estudo.
Por fim, os impactos negativos da interação aumentaram de acordo com a idade das crianças (-2,30; IC 95%, -0,05 a 0,0; P = 0,03), e que as crianças que relataram maior uso de mídia em casa estavam ligadas à diminuição das respostas rápidas de atenção conjunta enquanto brincavam com o jogo de tablet (P <,001).
Os impactos por faixa etária
Pesquisadores e estudos apontam que a exposição prolongada às telas traz efeitos negativos, mas muitas dúvidas surgem em relação à faixa etária das crianças. As especialistas explicam se há diferenças nos impactos entre idades.
Déborah Pacheco enfatiza que crianças de todas as idades podem ser afetadas pela nomofobia, um termo que descreve o medo ou ansiedade pela falta do uso do celular.
“A falta de regulação emocional leva a reações extremas, da raiva à tristeza. Os sintomas de abstinência das telas podem se agravar com o aumento da rotina de exposição e dos ‘prazeres’ sentidos em sua utilização”, explica a psicóloga.
Por outro lado, Samiza Soares argumenta que a idade da criança influencia diretamente nos impactos causados pela exposição às telas.
“Nos primeiros anos de vida, quando o cérebro está em pleno desenvolvimento, o excesso de telas pode prejudicar a capacidade de formar vínculos emocionais e o desenvolvimento da linguagem”, alerta a psicanalista.
Ela também acrescenta que crianças mais velhas, especialmente na fase pré-adolescente e adolescente, são mais suscetíveis a problemas de autoestima e comparação, devido à exposição a padrões irreais nas redes sociais, algo que influencia a formação de sua identidade.
Ambas as especialistas concluem que, embora os efeitos negativos variem conforme a idade e a etapa de desenvolvimento, a moderação é essencial para crianças de todas as idades.
Manter um equilíbrio saudável no uso das telas, aliado a atividades sociais e físicas, é fundamental para preservar o bem-estar psicológico e emocional da criança.
Sinais de alerta
Para ajudar os pais e responsáveis a identificarem esses problemas, as especialistas apontam os principais sinais de alerta de que o tempo de tela está sendo prejudicial.
Os sinais comportamentais são reforçados pela terapeuta psicanalista Samiza Soares, que destaca a importância de observar mudanças de comportamento.
“Alguns dos sinais de alerta incluem irritabilidade excessiva ou falta de paciência após o uso prolongado das telas, além de dificuldade em se desconectar dos dispositivos e em participar de atividades físicas ou sociais fora do ambiente digital”, afirmou.
Mas também tem as alterações no sono, queda no desempenho escolar e aumento da ansiedade ao ficar longe das telas são outros sinais de que a criança pode estar sendo impactada negativamente. Pais e educadores devem estar atentos a esses comportamentos e buscar alternativas que promovam um uso mais saudável.
A psicóloga Déborah Pacheco alertou sobre outros sinais que podem indicar que o uso de dispositivos eletrônicos está afetando o bem-estar das crianças.
“Entre os sinais mais comuns estão a queda no rendimento escolar, alterações bruscas de humor, desespero, estresse, irritabilidade e até sintomas físicos como náuseas, taquicardia, sudorese e tensão muscular”, explicou.
Ela acrescenta que, em bebês, o estresse se manifesta por meio de choros constantes quando ficam sem o dispositivo.
Papel dos pais e responsáveis
O papel dos pais ou dos responsáveis na mediação do tempo de tela é indispensável. Eles devem promover um uso saudável das tecnologias, e impor limites.
De acordo com a psicóloga, deve-se ter consciência que o fato de a criança ficar quieta ao usar algum aparelho, não significa que não esteja prejudicando. Ela se refere ao uso das telas para ‘entreter’, e alerta que o uso descontrolado pode levar ao vício e a comportamentos auto prejudiciais.
“A tecnologia veio para nos dar acesso ao conhecimento; ela não é prejudicial por natureza. O problema está na maneira como a utilizamos. Educar alguém exige paciência e impor limites é uma forma de externalizar amor”, disse.
Além de impor limites, os pais e responsáveis são modelos de comportamento, e devem demonstrar como a tecnologia pode ser usada de maneira responsável.
“Criar horários definidos e limitar o tempo de tela é essencial. Porém, os pais também devem promover o uso educativo e criativo das telas, incentivando conteúdos que estimulem o aprendizado e a criatividade da criança”, reforçou a terapeuta psicanalista Samiza Soares sobre a importância de estabelecer regras claras para o uso dos dispositivos.
Samiza também destacou a necessidade de manter um diálogo aberto com as crianças sobre os benefícios e riscos do mundo digital.
“Ensinar sobre os perigos e as vantagens do uso consciente da tecnologia é uma forma de prepará-los para o futuro. Além disso, é importante incentivar atividades que promovam o desenvolvimento emocional e social, equilibrando o tempo gasto nas telas com interações reais”, concluiu.