Vívian Oliveira – Rios de Notícias
MANAUS(AM) – O Amazonas teve mil casos de gravidez por estupro de vulnerável em 2022. Até maio deste ano foram contabilizados 389 partos de meninas entre 10 a 14 anos. Os dados foram divulgados pela Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas Dra. Rosemary Costa Pinto (FVS), na última terça-feira, 4/7.
A situação é particularmente grave, uma vez que a Lei Nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, do Código Penal, classifica como estupro de vulnerável qualquer ato sexual com menores de 14 anos (artigo 217-A). Portanto, esses partos representam que houve violência contra essas adolescentes.
“Tais dados apontam para a necessidade de se refletir sobre a banalização da violência perpetrada por agressores que muitas vezes são parentes ou conhecidos da vítima. Também é importante fortalecer as políticas públicas voltadas para a prevenção da gravidez na infância e na adolescência no estado, principalmente para fins de se evitar a mortalidade materna e infantil”
Nathália França de Oliveira, pesquisadora
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A especialista acrescenta que durante o período pandêmico, o acesso às escolas e outros pontos da rede de proteção à criança e ao adolescente foi prejudicado devido às restrições de isolamento social, o que resultou em uma redução nos casos notificados.
“Agora, estamos presenciando um aumento nos números apresentados pela FVS nos anos de 2022 e nos primeiros 6 meses de 2023, demonstrando que os padrões parecem voltar ao período pré-pandêmico”, analisou França, que também é doutora em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Subnotificação preocupa
Uma pesquisa realizada pelo grupo de estudos sobre saúde e violência da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), mostrou que há uma subnotificação de 50,2% dos casos de estupro de vulnerável, ou seja, metade dos casos não são contabilizados. Intitulado de “A subnotificação de estupro de vulnerável no Estado do Amazonas: a invisibilidade do sistema de informação”, o levantamento analisou a subnotificação de casos por meio dos sistemas de informação em saúde, no período de 2017 a 2021.
De acordo com Nathália França, os dados sugerem que o número de meninas que sofrem violência sexual é ainda maior do que os registros indicam, uma vez que nem todas as vítimas que deram à luz foram devidamente notificadas.
“De 2017 a 2021, o Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc) apontou 5.904 partos de mães com idade entre 10 e 14 anos, enquanto que no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) registrou 2.940 casos. Dessa forma, podemos inferir que o número de meninas que sofrem violência sexual é bem maior, pois nem as que foram atendidas no hospital foram sequer notificadas”
Nathália França de Oliveira, pesquisadora
Além da subnotificação, a pesquisadora pontua que existem também vítimas que não buscam ajuda ou não têm acesso aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS).
“A família, a escola, o setor saúde, a sociedade e o Estado são de grande importância para que os casos possam ser amenizados. Ações de prevenção à gravidez na adolescência e a garantia dos direitos fundamentais da criança e do adolescente também precisam ser potencializados”, enfatizou.
Os resultados da pesquisa estarão disponíveis no site da UEA, assim que os artigos forem publicados em revistas científicas.
Um desafio crescente
Para a socióloga Bianca Rocha, a gravidez na adolescência está se tornando cada vez mais comum, trazendo preocupações para a saúde física e emocional das adolescentes, além dos problemas sociais associados, como estigma e evasão escolar.
“Diversos fatores estão relacionados à gravidez na adolescência, tais como, descoberta da sexualidade, influências das redes sociais, falta de acesso a métodos anticoncepcionais, violência sexual e a falta de informação, sendo um fator de grande importância, por isso a necessidade da Educação Sexual nas escolas”
Bianca Rocha, socióloga
A especialista acrescenta que, diante da gravidez, os direitos das crianças e adolescentes devem ser garantidos. “É responsabilidade da família, da sociedade e do Estado garantir direitos como saúde, educação, profissionalização e lazer. Assim, as adolescentes não precisam abandonar a escola, devendo receber o apoio necessário para conciliar os cuidados com o bebê e a continuidade dos estudos”, destacou.
Ações integradas
A gravidez na adolescência é um desafio que demanda ações integradas de saúde pública e uma abordagem ampla, envolvendo a educação sexual, a promoção de métodos contraceptivos acessíveis e a conscientização sobre os direitos das adolescentes.
Dessa forma, a Secretaria Municipal de Saúde (Semsa) destacou, em nota, que a gravidez na adolescência é uma questão complexa que requer ações integradas e estratégias específicas. A Semsa tem buscado reduzir o índice de gravidez na adolescência por meio da Atenção Primária em Saúde e de parcerias com outras instituições.
“A gravidez na adolescência é um grave problema de saúde pública pelos riscos à saúde da mãe e bebê. Portanto, é tema prioritário para ações e estratégias da Semsa Manaus, a qual vem buscando reduzir o índice de gravidez na adolescência através de parcerias com outras instituições”, trecho da nota.
Uma dessas parcerias é o Programa Saúde na Escola (PSE), que tem como objetivo levar informações de prevenção também aos adolescentes dentro das escolas. “Entre elas, rodas de conversas, debates para levantamento das demandas de adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social, oficinas temáticas, encontro com pais/responsáveis. Além disso, encaminhamos adolescentes grávidas, se houver, para a UBS de referência”, detalhou.
A Semsa também informou que promove ações de planejamento reprodutivo, disponibilizando métodos contraceptivos em todas as unidades básicas de saúde, incluindo preservativos internos e externos, como o Dispositivo Intrauterino (DIU), que são adequados para o público adolescente.
Até o fechamento desta reportagem, a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM) não havia respondido aos questionamentos sobre as ações, estratégias, serviços e programas para lidar com o problema da gravidez precoce na faixa etária de 10 a 14 anos.