Walter Franco – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – O cinema é uma arte que encanta as pessoas desde as primeiras projeções dos irmãos Lumière, pioneiros da arte cinematográfica, na França do século XIX. Muitos são cativados pela beleza das imagens, por uma narrativa envolvente, por abordar assuntos que, no dia-a-dia não são explorados.
É essa pluralidade de assuntos que atrai mais espectadores e mais pessoas para tentar fazer filmes que falem de suas regiões e colocar, em película ou no digital, as suas próprias realidades. “Eu acredito no potencial do cinema em fazer as pessoas se entenderem melhor, conhecerem outras vivências e estarem mais próximas”, assim define o diretor e roteirista amazonense, Bernardo Ale Abinader.
Para ele, essa chance de poder contar as mais variadas histórias é uma possibilidade de superar estereótipos que, em sua avaliação, existem quando se fala em Amazonas. É de Bernardo o curta-metragem ‘O Barco e o Rio’ (2020), filme que acompanha o dia-a-dia de duas irmãs e uma mãe que moram em um barco na orla de Manaus. O filme conseguiu um feito histórico ao vencer no Festival de Gramado, um dos mais importantes do Brasil, 5 ‘Kikitos’ de Ouro nas categorias de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte e Melhor Curta do Júri Popular.
Além de poder quebrar estereótipos, o cinema é capaz de produzir memórias sobre locais, pessoas ou fatos histórico-sociais. E essa é uma das razões para Rafael Ramos, também diretor e roteirista, realizar filmes: “É poder construir uma memória sobre esse lugar, seja de forma ficcional ou documental. Minha linha de trabalho vai pra esse lugar: memória e identidade”.
Rafael foi responsável por dirigir o curta Manaus Hot City (2020), filme que segue três amigos pelo centro de Manaus e que se destaca por seus diálogos e estética que simula a sensação do calor manauara em quem assiste ao filme. Este curta venceu o Coelho de Ouro, que é o prêmio do Júri, na mostra competitiva do Mix Brasil 2021, considerado o maior festival de artes LGBTQIA+ da América Latina.
Ao ver outros filmes amazonenses sendo produzidos e finalizados, a sensação, para o produtor audiovisual Clemilson Farias, é de “satisfação principalmente por ver que esse lugar (Amazonas) está sendo contado a partir de um olhar de quem tá aqui, de quem vivencia essa realidade”.
Representatividade
E é retornando ao tema dos estereótipos que o ator Adanilo revela também uma de suas inquietações enquanto artista. “Tenho tentado, de algum jeito, pensar na regionalidade sem ser exótico”. Para ele, a forma como o termo “artista amazônico” é utilizado por outras pessoas de fora do Estado soa como algo pejorativo. “Eu quero ser artista, eu falo da Amazônia porque eu vivo aqui, eu amo esse lugar, e aqui é onde estão as coisas que eu quero falar”.
É no campo histórico que a atriz Isabela Catão também entende o poder do cinema. Ela diz que seu processo artístico faz com que a partir das personagens que interpreta, ela passa a entender mais sobre a história do Amazonas e de Manaus. “Eu pude dar voz para mulheres com personalidades diferentes, com histórias diferentes. Eu acho que viver esses personagens é também dar voz a essas mulheres”.
Além disso, essa chance de viver tantos personagens faz com que Isabela busque sempre focar em “mostrar a essência delas, eu quero que o público as veja de verdade, para além do bom ou mal e de estereótipos”.
Reconhecimento
Tem sido bastante comum ver produções amazonenses em destaque em festivais e mostras de cinema pelo Brasil e pelo mundo. Antes de realizar ‘Manaus Hot City’, Rafael Ramos lançou o curta ‘Aquela Estrada’ (2016) que conseguiu rodar em 19 mostras e quatro festivais; ‘Terra Nova’ (2021), do realizador amazonense Diego Bauer, foi exibido no Festival de Brasília, outro grande evento do cinema nacional, e também foi exibido em outros dois festivais de cinema internacionais.
Além destes, a produção de filmes nos últimos anos tem chamado a atenção. Ficções como ‘À Beira do Gatilho’, de Lucas Martins (2021); ‘Graves e Agudos em Construção’ (2021) e ‘A Estratégia da Fome’ (2022), de Walter Fernandes Jr.; ‘A Hespanhola’ (2022) de Francis Madson; ‘A Bela é Poc’ (2021), de Eric Lima; ‘O Buraco’, de Zeudi Souza; e ‘Enterrado no Quintal’ (2020), de Diego Bauer.
Ou documentários como ‘Roberto Kahane e a Câmera Secreta do Dr. Salim’ (2023), de Jean Robert César; ‘Revoada’ (2022) de Rafael Ramos; ‘Sidney Rezende: Meu Enquanto Canto’ (2022), de Cristiane Garcia; Cercanias / Gatos (2022), de Sérgio Andrade; O Clã da Jibóia – As Raízes do Jiu-Jítsu, de Heraldo Daniel. E animações também, como ‘Stone Heart’ (2021), de Humberto Rodrigues; ‘Cem Pilum – A história do dilúvio’ (2022), de Thiago Morais; Adeus, querido Mandí (2021), de Bruno Villela.
Produzir cinema no Amazonas se torna algo que é prioridade para estes realizadores. Como diz Rafael Ramos, “trabalhar com cinema aqui é um ato político”.
Adanilo aproveita também para refletir sobre a arte como um meio de comunicação “potente e poderoso” e que é importante existir oportunidades, para trazer mais perspectivas de vida para quem pensa ou já vive da cultura ou cinema.
Que estejamos encabeçando equipes, que tenhamos diretores e diretoras indígenas, amazonenses, manauaras, que tenhamos pessoas criando histórias, roteiristas, mas também gente da equipe técnica, diretoras de fotografia, gente do som. Que tenhamos, o que tivemos sempre na verdade, que é a ocupação de nossos corpos em todos os lugares.
Adanilo, ator
Este momento é entendido como o início “de uma grande fase do cinema amazonense”, para Bernardo. Ele tem convicção de que existem várias pessoas que estão se desenvolvendo e amadurecendo ainda no Amazonas e que, logo, o Estado pode virar referência nacional na área de cinematográfica.
Custo Amazônia
Apesar da euforia que surge ao ver um filme amazonense sendo produzido, é importante ressaltar o processo que essa obra passou para chegar nas mais variadas telas de exibição. O cinema é uma arte cara. Envolve diversos colaboradores, equipamentos caros e processos de produção e edição específicos de sua cadeia produtiva que fazem desta, uma das artes mais complexas para se produzir algo.
Para Bernardo Abinader, “quando não há investimento estatal, se torna impossível realizar filmes”. E ele complementa dizendo que no Amazonas, a situação fica mais difícil, porque na região o preço fica mais alto.
Clemilson Farias explica o porquê do valor da produção na região amazônica aumentar. Ele chama este fenômeno de “Custo Amazônia”, que, de forma geral, se dá pelo fato de a região estar em um lugar de difícil acesso, o que dificulta a logística para a realização de algumas etapas do processo cinematográfico.
Ele cita alguns exemplos, como altos preços em passagens e combustível para se deslocar na região, empresas de pós-produção (etapa que finaliza a produção de um filme, como montagem, edição de som, colorização etc.) e diz que “tudo isso encarece porque a gente tem que sair da nossa região para produzir”. Em média, segundo Clemilson, é acrescentado 20% a mais no valor do projeto “só para você vir produzir aqui”.
Além de investimentos
Por depender de um valor alto de produção, a saída para se realizar filmes, de forma remunerada, é a partir de editais de fomento. Estes são desenvolvidos pelos municípios, estados ou governo federal e, através de mecanismos de financiamento, conseguem trazer recursos para o setor do audiovisual.
Como exemplos recentes, podem ser citados os editais de apoio à cultura que foram realizados durante a pandemia da Covid-19. Algumas leis federais foram aprovadas no Congresso Nacional, como a Aldir Blanc e Paulo Gustavo, para dar gás à produção do setor cultural que foi bastante prejudicada devido à pandemia.
Os artistas aguardam a abertura de editais da Prefeitura de Manaus e Governo do Estado para os recursos que virão da Lei Paulo Gustavo (LPG), que deve destinar R$ 17,6 milhões e R$ 51,7 milhões, respectivamente, para o audiovisual e demais linguagens artísticas. Desses valores, cerca de R$ 12,76 milhões e R$ 37,8 milhões serão investidos em produções audiovisuais da capital e do interior. Ao todo, a LPG vai destinar R$ 3,8 bilhões para investimentos nesta área.
Bernardo é um dos realizadores que está bastante ansioso para a chegada dos valores da Lei Paulo Gustavo. “Estamos vendo agora uma quantidade inédita de investimento em cinema chegando por meio da LPG, e esse incentivo precisa ser continuado e expandido para que possamos, de fato, atingir o patamar que somos capazes”.
Isabela Catão chama a atenção para que, além do fomento, sejam priorizadas também políticas públicas para garantir a permanência de artistas em Manaus. Ela diz que a cidade perde muitos profissionais da área criativa e cultural para outros Estados porque não existe um mercado de trabalho ainda bem estabelecido em Manaus.
A gente não consegue ter uma vida digna como artista porque tá sempre trabalhando no precário. Você trabalha um mês e passa 6 meses sem trabalhar, porque não tem nenhuma perspectiva
Isabela Catão, atriz
Ela finaliza dizendo: “Não é escolher quem ajudar, é você pensar em uma lei que realmente priorize a permanência dos artistas”.