Embora a obra cinematográfica seja baseada em uma história real, o filme reserva algumas surpresas e emoções inesperadas para quem se aventura a assistir.
E mesmo conhecendo o destino de Rubens Paiva, cada cena, assim como este artigo, guarda seus próprios “spoilers emocionais”.
Ao entrarem na casa da família dos Paiva à procura de Rubens Paiva (Selton Mello), os representantes da ditadura fecham as portas e as cortinas. Ninguém entra, ninguém sai. A família agora está presa em sua própria casa, sem saber direito o por quê e até quando esses desconhecidos armados pretendem mantê-los assim. A família, que vivia pacificamente, agora está amedrontada. Eis aí o retrato de como vivia a população brasileira nos tempos da Ditadura Militar. Eis aí um belíssimo filme.
Baseado em uma história real, Ainda Estou Aqui (2024) dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, conta a história de como Eunice Paiva (Fernanda Torres) cuidou de sua família após o sequestro de Rubens, levado pelos militares, e como ela resiste à ditadura. Resistência no sentido de permanecer de pé, mesmo depois de perder tantas coisas, ela segue em frente, continua ali.
Inicialmente situado no início dos anos 70, o filme nos coloca naquela década não apenas com roupas e carros antigos, mas também por meio do uso de câmera e cores – principalmente amarelo, vermelho e verde – para “envelhecer” a imagem. À medida que o longa avança no tempo, a fotografia acompanha.
O filme não mostra explicitamente as torturas cometidas pelos militares naquele período, ao fazer isso, nos faz sentir como Eunice e outros familiares de vítimas da ditadura: perdidos. Não sabemos exatamente o que acontece com alguém que é levado para prestar “depoimento”. Só podemos imaginar os horrores, da mesma forma que as pessoas que não eram levadas. A direção nos leva a sentir a mesma angústia.
Todos os elogios já dirigidos à performance de Fernanda Torres são mais do que merecidos. É ela quem vemos por uns 80% do filme, e ficamos com vontade de vê-la por mais 20%. Tanto tempo de tela exige muito, mas ela dá conta. Quando ela não está, a procuramos. Fernanda transmite toda a dor velada de Eunice, que sofreu por muito tempo sozinha, sem poder contar aos próprios filhos sobre o que teria acontecido com o pai deles.
Na falta de Rubens, Eunice assume o comando da família e das investigações sobre o próprio marido e, mais tarde, da própria vida, se tornando símbolo da luta contra a Ditadura Militar. O longa é sensível e, eu espero, sensibilizante. Em um Brasil pós 8 de janeiro, é necessário relembrar, enquanto nação, de onde saímos para que nunca possamos voltar.
Nesse sentido, é possível olhar para Ainda Estou Aqui e a representação do período da Ditadura enxergando o que a população brasileira teve que aguentar, contra o quê lutou e o que perdeu, com a esperança de que não caia nos mesmos discursos novamente. Mais do que isso, o filme é um retrato sensível sobre a natureza destruidora da Ditadura Militar e a resiliência reconstrutora da mulher brasileira.