Gabriela Brasil – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – No conjunto de benefícios oferecidos pela internet há, ao mesmo tempo, o uso da ferramenta para práticas ilícitas. Roubos de dados, extorsões e estelionatos na internet são algumas das ações identificadas como crimes virtuais, os quais diversas pessoas acabam sendo vítimas.
Em Manaus houve um aumento no número de registros desse tipo de crime nos três primeiros meses de 2023, em relação ao mesmo período do ano passado.
Ao portal Rios, o titular da Delegacia Especializada em Repressão a Crimes Cibernéticos (DERCC), delegado Antônio Rondon, informou que entre os meses de janeiro, fevereiro e março de 2023 foram registrados cerca de 370 casos. Em comparação ao mesmo período de 2022, houve um aumento de 18,5%.
Ao todo, de janeiro a dezembro do ano passado, a DERCC registrou cerca de 312 casos. Nos 12 meses do ano anterior, foram contabilizados 1195 casos de crimes virtuais.
O delegado informou que os crimes cibernéticos são todos aqueles que acontecem no espaço da internet, sendo os mais comuns: estelionato, falsidade ideológica e extorsão. Ele salientou que a atenção e o cuidado daqueles que navegam na internet são pontos primordiais para se resguardar de qualquer crime virtual.
“O ambiente da internet, tal como é no mundo real, vem evoluindo de forma abrupta e exponencialmente. Então, há sim o surgimento de novas formas de execução dos crimes a todo o momento. Os crimes cibernéticos já estão tipificados no código penal, o que acontece é que os criminosos conseguem, cada vez mais, sofisticar o meio de execução deles. Então, atenção e o cuidado são sempre as melhores ações para qualquer pessoa que esteja no ambiente de internet”, pontuou o delegado.
Modalidades de crimes virtuais
Conforme o presidente da Comissão de Direito Digital, Startups e Inovação da Ordem dos Advogados do Brasil no Amazonas (OAB-AM), Aldo Evangelista, há duas categorias de crimes cibernéticos caracterizados na legislação: a primeira, é chamada de crime digital impróprio, quando ocorre o uso de máquinas de computador ou aparelhos conectados às redes como um meio para alcançar um crime fim. Na maioria das vezes o objetivo é a obtenção de dinheiro.
“Um exemplo [do crime fim] é o homicídio. Vamos supor que o hospital seja totalmente formatizado e algum hacker entre no sistema do hospital e altere o prontuário de algum paciente. Devido a isso, o paciente pode ser medicado de forma equivocada e ir a óbito. Ou seja, o sistema informático foi o meio para alcançar o fim”, explicou Aldo Evangelista.
Já a outra categoria de crime virtual, de acordo com Aldo Evangelista, é identificada como crime digital próprio. Ela ocorre quando o aparelho é o foco da ação criminosa, seja para fins pessoais ou políticos. Nessa modalidade, a máquina, ou seja, o sistema computacional, pode ser atacado por vírus implantados por hackers. A finalidade é causar dano ao computador.
Fraude e sequestro de Whatsapp
Segundo o presidente da Comissão de Direito Digital, Startups e Inovação da OAB, Aldo Evangelista, o crime digital mais recorrente em Manaus é o que envolve fraudes, chamados popularmente de “golpes”, os quais são praticados por meio de uma técnica chamada de “engenharia social”. Ela é feita na internet por hackers que buscam roubar dados do usuário.
O golpista manipula a vítima, por meio de e-mail ou perfis falsos nas redes sociais, apresentando uma proposta de oportunidade ou promoções atrativas com o preço especial e em tempo limitado. A partir dessa apresentação falsa, o usuário fornece informações pessoais.
“Elas são vítimas desse crime de fraude eletrônica, previsto no artigo um 171, que é o estelionato, e foi acrescido parágrafo segundo A, chamado de fraude eletrônica, onde a pena de reclusão é de quatro a oito anos para quem cometeu esse crime”, afirmou.
A estrategista de Branding e marketing digital, Carol Guerra, foi uma das vítimas de crime virtual em Manaus pela técnica de engenharia social e sequestro de Whatsapp. Na virada de 2020 para 2021, durante o aumento exponencial do número de casos e mortes da Covid-19 na capital amazonense, Carol buscava alterar o dia de sua viagem para Fortaleza. Com o pai internado na UTI, e com o restante dos familiares infectados pelo vírus, ela temia também adquirir a doença.
Após tentar contato com uma companhia de viagens aéreas por diversas vezes, sem sucesso, a estrategista de Branding publicou um comentário, em uma das postagens da rede social da empresa, solicitando para que a empresa entrasse em contato com ela.
Foi quando um perfil falso passou-se pela companhia aérea e disse ter interesse urgente em resolver o adiamento da viagem. Carol não verificou as características do perfil e acabou seguindo todos os passos sugeridos pelo criminoso virtual.
“O perfil entrou em contato comigo e disse que era só eu clicar no link que eles tinham enviado, e colocar o código que eles iriam resolver minha situação. Eles disseram que só iam verificar a partir do código para remarcar a passagem o mais rápido possível”, contou.
Assim que clicou no link, a conta do WhatsApp de Carol sofreu crime de sequestro, chamado popularmente de “clonagem”.
Conforme o presidente da Comissão de Direito Digital, esse tipo de crime tem sido cada vez mais recorrente na cidade. Para Carol, os golpistas se aproveitam do desespero em resolver alguma situação, somada a falta de atenção das pessoas.
“Era muita coisa acontecendo. Parece que essas pessoas quando vão fazer isso [cometer o crime digital] vão em quem realmente está desesperado. Eu perdi meu WhatsApp em uma situação na qual todos os boletins do meu pai, que estava internado na UTI com covid. E eu recebia nesse WhatsApp”, revela Carol.
Ela contou ainda, que a situação foi complicada, porque passou dois dias sem ter notícias do pai por conta dessa clonagem do WhatsApp. “Então, é uma coisa extremamente cruel”, contou Carol Guerra.
O que fazer após sofre crime virtual
O delegado Antônio Rondon alerta que, caso a pessoa tenha sido vítima de um golpe na internet, ela precisa registrar o Boletim de Ocorrência de forma imediata em uma delegacia mais próxima. Também ressaltou a importância da vítima entrar em contato com sua instituição bancária, para informar sobre o golpe e tentar reverter valores perdidos.
“Esse valor o banco vai localizar na conta do falsário. Se ainda tiver alguma quantia, o banco consegue estornar. Mas, claro isso com a vítima registrando o boletim de ocorrência imediatamente. É preciso procurar a delegacia mais próxima”, pontuou.
O Boletim de Ocorrência, de acordo com o delegado da DERCC, pode ser feito também na internet pela Delegacia Virtual, no site www.sinep.gov.br.
“Esse BO pode ser registrado de maneira virtual pela Delegacia Virtual, um programa do Ministério da Justiça, que vai remeter pra delegacia aqui do Amazonas. O BO tem que ser encaminhado para uma delegacia física pra iniciar as investigações”, disse.
Precisa de atualização na legislação?
O presidente da Comissão de Direito Digital destacou que, de um modo geral, o código penal brasileiro vigente desde 1940 possui vários tipos penais que se adequam a realidade de hoje, na qual o espaço digital está cada vez mais presente no dia a dia da população.
No entanto, conforme Aldo Evangelista, ao longo dos anos, novos códigos penais mais específicos foram sendo criados para atender às novas dinâmicas sociais, como, por exemplo, a Lei Carolina Dieckmann, que pune o ato de invadir dispositivos informáticos. A lei foi sancionada em novembro de 2012. Outra norma aprovada foi a “Lei de Stalking” em abril de 2021.
“Há também o mais recente que é o crime de perseguição que vem do inglês, do “stalker”, onde você fica perseguindo reiteradamente uma pessoa, seja fisicamente ou por meio das redes digitais, que atinge a questão psicológica da vítima. A pena de reclusão é de seis meses a dois anos”, frisa.
Aldo Evangelista analisa que, na atual conjuntura, não é necessário a tipificação de novos crimes digitais na legislação brasileira. Para ele, é preciso mais investimento em materiais e qualificação profissional.
“Na verdade, o que precisa é ter o maior investimento na parte da investigação digital, e da perícia digital forense. É preciso ter muito mais profissionais habilitados com conhecimento nesta área e muito mais equipamentos e investimentos neste aspecto destas investigações”, defendeu Aldo Evangelista.
Educação
O delegado Aldo Evangelista também ressaltou a importância da população ter acesso à informação e educação no meio digital, seja para saber sobre seus direitos, ou sobre como evitar cair em golpes digitais.
“As pessoas falam da preocupação no sentido de saber se a internet é uma terra sem lei. Isso é uma ideia do passado. As pessoas podem ser encontradas por meio do IP da sua máquina, por meio de investigação da polícia digital forense. Há formas de se resolver, caso você tenha sido vítima. Se for uma questão criminal, você vai buscar o responsável e o autor vai ser responsabilizado possivelmente. Se for uma questão cível, você pede reparação de danos morais ou materiais”, destacou Evangelista.