Vívian Oliveira – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) denunciou a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, da Câmara dos Deputados, por incentivar discursos de teor “transfóbico e conspiracionista”. Em audiência realizada na quarta-feira, 21/6, a parlamentar classificou como “pataquada violenta e irresponsável”.
“O que está colocado aqui é que transexualidade é uma fantasia das nossas cabeças. Inclusive, com falas extremamente criminosas como a do deputado [Pastor Sargento Idisório] que associou as famílias e as mães à pedofilia, à hipersexualização da infância. E a da palestrante fez uma comparação de lobotomia e tortura com tratamento de transição. É de uma de uma criminalidade tão violenta, de uma irresponsabilidade tão grande que me faltam até palavras pra continuar descrevendo o que ocorre aqui”, disparou.
Proposta pela deputada Franciane Bayer (Republicanos-RS), a audiência tinha o objetivo de discutir a mudança do nome em registros de documentos, uso de bloqueadores de puberdade e cirurgias para redesignação sexual. Bayer argumentou que as intervenções ainda se mostravam experimentais e “cheias de riscos”.
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Foram convidadas pessoas como Eugenia Rodrigues, da Campanha “No Corpo Certo”, uma organização que questiona o discurso transgênero; e a psiquiatra Akemi Shiba, que chama a transexualidade de doença, contrariando a decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) que, em 2018, deixou de classificar a transexualidade como um transtorno mental.
“Vossa excelência trouxe uma médica que foi contra as vacinas, que usou uma prática já conhecida pelo movimento negro, que é o racismo científico, para argumentar que determinações cranianas comprovavam que a população negra era inferior à branca. E agora traz esses mesmos argumentos para tentar descaracterizar a existência de pessoas trans e travestis?”
Erika Hilton, deputada federal
A deputada pontuou a “sutileza dos discursos” ao se dizerem preocupados com a infância das crianças e dos adolescentes, considerando a intenção “nobre e importante”, uma vez que o Brasil apresenta um aumento no número de violência e abusos contra as crianças. Porém, Hilton citou normas para denunciar a desinformação dos convidados.
“Na verdade, o que está colocado aqui é o preconceito, a desinformação, a mentira e uma série de argumentos falaciosos. Será preciso que se revisite as fontes desses argumentos para comprovar o que foi tratado aqui. Disseram, por exemplo, sobre mutilação em crianças menores de idade. O Conselho Federal de Medicina diz que o tratamento de hormonioterapia não pode ser aplicado em menores de 16 anos e as cirurgias de redesignação sexual, em menores 18 anos”, esclareceu.
“Logo, não existe mutilação em criança, não existe mutilação em adolescentes. Essa é mais uma tentativa de promoção do caos, da desinformação, da mentira, dessa frente ‘antitrans’, que vem ganhando força, não só no Brasil, mas em todo mundo”, denunciou.
Recorde de mortes
A deputada enfatizou que o país é o primeiro do mundo que mais mata a população trans. Em 2022, foram 131 mortes, de acordo com levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Ela relembrou, ainda, a morte de Keron Ravach, de 13 anos, assassinada brutalmente no Ceará, em 2021, por se declarar uma pessoa transexual e travesti.
“Nós somos expulsas de nossas casas aos 12, 13 anos de idade e somos obrigadas a viver da prostituição compulsória. Eu não vejo a mesma preocupação e o mesmo discurso em defender essas vidas. Eu não ouvi aqueles que bradam em defesa da infância, chorarem a morte de Keron e tantas outras crianças. Eu não vejo esta mesma preocupação contra o ódio, contra a violência e contra o estigma que acomete esta população”, retrucou.
Hilton finalizou seu pronunciamento enfatizando seu objetivo como a mulher mais bem votada do Brasil para vereadora em 2020 e a primeira deputada federal negra e trans eleita para o Congresso Nacional.
“Nós seguiremos pressionando esta Casa para que discuta e legisle na defesa da vida da população trans que é morta, estuprada, violentada, roubada dos seios da família. É impedida de frequentar as igrejas, exatamente por discursos criminosos, preconceituosos e discriminatórios, como os que foram praticados aqui hoje, fantasiados de proteção. Se queremos proteger as crianças e os adolescentes, nós não podemos empurrá-los ao suicídio, à prostituição, ao abandono de suas famílias. Nós temos direito ao estado, ao acesso à saúde, à família e de representação neste lugar”.
A deputada questionou o espaço dado à população, “onde estão, além da prostituição e das manchetes policiais?”, e ressaltou a importância de “combater o ódio e preconceito”, que, de acordo com ela, “são os pilares que estrutura esta ‘pataquada’ chamada de audiência pública”.