Lauris Rocha – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – A Comunidade Indígena Krenak, de Minas Gerais, foi alvo de deslocamentos forçados, prisões, torturas e maus tratos durante o regime militar.
Nesta terça-feira, 2/3, a Comissão de Anistia aprovou um caso inédito de reparação coletiva por repressão e danos causados a indígenas Krenak durante o regime instaurado no Brasil em 1 de abril de 1964 e que durou até 15 de março de 1985, sob comando de sucessivos governos militares.
Leia mais: Brasil tem 918 locais com nomes de presidentes da ditadura 60 anos após golpe
Até então, nunca houve no país uma retratação aos povos originários por danos causados durante o regime militar. O colegiado estima que pelo menos 8 mil indígenas foram mortos durante o período de censura.
Segundo a presidente da Comissão de Anistia, Enéa de Stutz e Almeida, em entrevista a uma emissora de TV. Esta é uma sessão histórica, visto que é a primeira vez que será julgada uma reparação coletiva.
De acordo com ela, o Estado brasileiro vai pedir desculpas pela perseguição que é realizada há mais de cinco séculos. Os julgamentos têm caráter simbólico e foram marcados para a memória dos 60 anos do golpe de 1964.
Comissão de Anistia
A Comissão de Anistia, criada pela Lei nº 10.559/2002, é órgão de assessoramento direto e imediato do Ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania, tendo como finalidade específica analisar os requerimentos de anistia que tenham comprovação inequívoca dos fatos relativos à perseguição sofrida, de caráter exclusivamente política, bem como emitir parecer opinativo sobre os requerimentos, no sentido de assessorar o Ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Os pedidos são analisados observando a ordem cronológica de protocolo, aplicando-se requisitos específicos de prioridade como idade, doença, desemprego e renda inferior a cinco salários mínimos.
Em conversa com o Portal RIOS DE NOTÍCIAS, o Dr. Helso do Carmo Ribeiro Filho, graduado em Direito e Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e em Filosofia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), acredita que esta ação inédita da Comissão de Anistia pode ter reflexos na região Norte.
“Entendo que essa pauta vai ter reflexos, inclusive, aqui na região Norte, após concluir com os Krenak de Minas. Acho que isso vai ter reflexos por aqui também (Amazonas)”, conclui.
O povo Krenak
Atualmente, os Krenak estão situados em sua maioria na Terra Indígena Krenak, em Resplendor/MG. Entretanto, ao longo de sua história, têm sofrido diversos tipos de violência e expropriações culturais e territoriais, o que acontece desde o período colonial, quando eram conhecidos ora como Borum, ora como Botocudos (essa última é a denominação que os portugueses utilizavam para se referir a eles).
No século XX, sofreram com reassentamento forçado promovidos pelo Estado brasileiro. O primeiro foi em 1957, quando foram retirados de suas terras de forma violenta pelos agentes do antigo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e deslocados para as terras indígenas dos Maxacali, em Águas Formosas, no município de Santa Helena de Minas/MG. Eles retornaram em 1959 para seu território tradicional, numa caminhada que durou três meses.
Além desses processos violentos de expulsão, os Krenak foram obrigados a conviver com dois grandes empreendimentos próximos ao seu território: a Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM) e a Usina Hidrelétrica de Aimorés, ambas de propriedade da mineradora Vale S.A.
Esses execuções impactaram profundamente a vida desse povo, tanto na manutenção de sua reprodução cultural quanto nas suas condições de vida.
Como se isso não bastasse, o rompimento da barragem de Fundão em Mariana/MG, no dia 5 de novembro de 2015, afetou de forma significativa a vida dos Krenak, pois para eles o rio Watu – o Rio Doce, na língua krenak – foi morto, significando a impossibilidade de exercerem suas práticas culturais e de sobrevivência relacionadas com o rio.
Entretanto, mesmo com a violência e as expropriações que os Krenak têm sofrido ao longo da sua história, os indígenas não deixaram de resistir e lutar em defesa de seu território tradicional.
Em 1997 conseguiram recuperar uma área que havia sido demarcada em 1920 pelo Governo Federal e, atualmente, lutam incansavelmente pela demarcação de parte de seu território sagrado (denominado de Sete Salões, que se tornou o Parque Estadual Sete Salões), criado pelo Estado de Minas Gerais em 1998.