Nicolly Teixeira – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – Comemorado globalmente como o Dia Mundial da Religião, o dia 21 de janeiro também se une à reflexão sobre o combate à intolerância religiosa, especialmente no contexto brasileiro, onde as religiões de matriz africana continuam a ser alvos de perseguição.
Em um contexto onde a liberdade religiosa é um direito garantido pela Constituição, ainda é alarmante o crescimento dos incidentes de intolerância, como revelou o Ministério dos Direitos Humanos: entre 2021 e 2024, o número de denúncias cresceu 66,8%. Esses números destacam o aumento do preconceito e das agressões a praticantes de religiões diversas, principalmente aquelas de matrizes africanas, como a Umbanda e o Candomblé.
Em entrevista ao portal RIOS DE NOTÍCIAS, o Teólogo Dr. Daniel Lima e o Pai de Santo Daniel Gomes, ambos representantes de diferentes vertentes religiosas, oferecem uma visão profunda sobre a relação da sociedade brasileira com a diversidade religiosa e a intolerância que se manifesta, principalmente, contra as religiões afro-brasileiras.
Complexa realidade religiosa brasileira
Dr. Daniel Lima, professor da UEA, teólogo e cientista da religião, observa que o Brasil é um “grande mosaico religioso”, resultado de séculos de miscigenação entre povos indígenas, africanos e europeus. Embora o Brasil seja um país predominantemente cristão, especialmente católico, essa diversidade religiosa é uma característica marcante da sociedade.
Ele explica que o sincretismo – a fusão de crenças e práticas religiosas distintas – é um fenômeno comum no país, que, ao mesmo tempo em que propicia a convivência pacífica, também alimenta tensões e práticas de intolerância.
“É inegável que a nossa sociedade é plural. No entanto, essa pluralidade se traduz muitas vezes em um barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento. Os discursos de intolerância e as práticas discriminatórias surgem por conta de uma histórica falta de diálogo e de compreensão entre as diferentes crenças”, afirma o teólogo.
Ele também critica a atuação de alguns grupos, que, segundo ele, são os principais fomentadores de intolerância religiosa no Brasil. “Infelizmente, muitos líderes têm utilizado suas plataformas para demonizar as religiões de matriz africana, como a Umbanda e o Candomblé, distorcendo os princípios do próprio Evangelho. Essa postura exclusivista e fundamentalista é uma afronta à verdadeira mensagem de amor e aceitação presente nos ensinamentos cristãos”, acrescenta Dr. Daniel.
Desafio de viver a umbanda no Amazonas
Por outro lado, o Pai de Santo Daniel Gomes, líder de uma comunidade de Umbanda no Amazonas, traz uma perspectiva mais próxima das práticas cotidianas de resistência contra a intolerância religiosa. Ele compartilha a experiência de lidar com o preconceito religioso em um estado onde a diversidade cultural e religiosa, embora presente, ainda esbarra em desafios históricos e educacionais.
“Sabemos que a Umbanda tem um grande potencial para crescer aqui no Amazonas, justamente porque as pessoas são abertas a outras culturas. Mas o que ainda falta é a informação. As pessoas muitas vezes associam a nossa religião à ‘macumba’ de forma pejorativa, sem sequer entender o que realmente praticamos”, diz Daniel, destacando a relação entre intolerância religiosa e racismo, um problema estrutural que perpassa a história do Brasil.
Segundo o pai de santo, a falta de compreensão sobre a Umbanda está atrelada a preconceitos enraizados, muitos dos quais se intensificam pela ignorância. Para combater essa situação, ele destaca a importância da educação e do uso de ferramentas como redes sociais, eventos culturais e rodas de conversa para disseminar o conhecimento sobre a religião.
“O importante é educar, não brigar. Mostrar, com ações e palavras, que a Umbanda é uma religião de acolhimento e respeito, assim como qualquer outra”, afirma Daniel.
Ele também sublinha que a verdadeira resistência contra a intolerância religiosa não vem de confrontos agressivos, mas do fortalecimento do diálogo inter-religioso. “A luta é constante, mas é através da convivência pacífica e do respeito mútuo que conseguimos transformar a realidade. Precisamos continuar falando, mostrando quem somos, e deixar claro que a Umbanda é parte da cultura brasileira e merece o mesmo respeito que qualquer outra crença.”