Vívian Oliveira – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – Pesquisa realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) mostra que o sexismo seja ele de homens ou entre as próprias mulheres é “potencialmente prejudicial”, podendo, inclusive, legitimar atos de violência física e psicológica.
O estado foi em 80 países com mais de 85% da população mundial, e mostrou que quase 90% das pessoas têm algum tipo de preconceito contra as mulheres. O sexismo é o mais prejudicial e chega a incentivar atos de violência física e psicológica. No Brasil, 84,5% da população apresenta, pelo menos, um tipo de preconceito contra as mulheres.
Neste contexto, o RIOS DE NOTÍCIAS conversou com três mulheres, em Manaus, que compartilham suas experiências e visão sobre as dimensões da misoginia ou preconceito de gênero analisadas no estudo: integridade física, educacional, política e econômica.
Misoginia é o ódio, desprezo ou preconceito contra mulheres (discriminatório).
Leia também: Casa Coletiva une ativistas e artistas em busca de mudança social em Manaus
Sempre alerta
Para Andira Angelim, vice-presidenta da Associação Manifesta LGBT e coordenadora de ações de cultura e arte na Casa Miga LGBT, estudos como o do PNUD são importantes, pois levam as discussões a âmbitos institucionais e podem gerar mudanças efetivas.
“Como travesti, eu vivo um enfrentamento interno e externo constante contra as normas de gênero impregnadas nas cabeças e nos comportamentos das pessoas. A vulnerabilidade que sinto ao andar nas ruas, com os assédios, agressões verbais e, possivelmente, físicas, me lembram constantemente de como essas estruturas sexistas me cercam”, revelou.
Em sua vivência na sociedade, Andira destaca que não descuida nunca e está sempre alerta e atenta contra os olhares na rua, no trabalho e outros em geral.
“Dentro do meu recorte identitário, recebo violências tanto de homens quanto de mulheres cis (aquela que nasceu com sexo biológico feminino e se identifica como mulher). Lógico, com seus devidos pesos. Mas as pessoas se sentem livres para me invalidar, seja com um olhar, uma fala ou um simples gesto”, detalha.
Segundo ela, as questões estruturais da sociedade manauara estão alicerçadas em construções coloniais racistas e misóginas. Por isso, é necessário mudança nos âmbitos institucionais.
“É necessária a construção de políticas públicas que transgridam essas bases. Eu acredito que só a ocupação de posições de poder e tomada de decisão tem a capacidade de enfrentar a misoginia” e construção dessa sociedade através desses espaços, por corpos dissidentes, é essencial no enfrentamento à misoginia”, declarou.
Proteger-se é preciso
Glacy Ane Araújo de Souza dos Santos é uma mulher preta, pesquisadora amazonense e doutora em Antropologia Social. Como pós-doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), ela se dedica ao estudo das estruturas sociais e enfrenta o preconceito de gênero em todas as suas formas.
Em uma sociedade patriarcal como a brasileira, Glacy destaca como o preconceito de gênero tem afetado as mulheres ao longo da história. Ela ressalta que os homens foram doutrinados a serem os mantenedores do lar, perpetuando um regime de controle e anulação das mulheres. Essa estrutura social, baseada na autoridade masculina exacerbada permitiu a perpetuação da violência e abusos contra as mulheres, especialmente as mulheres negras.
“Sendo uma mulher preta vivenciando esse tipo de estrutura social potencialmente violenta em um dos países que mais pratica feminicídio no mundo, me sinto fragilizada e preocupada. No entanto, me dá coragem para o enfrentamento social e na busca por melhores estratégias de proteção às mulheres e suas redes de apoio, que também são atacadas”, enfatizou.
No ambiente acadêmico e no seu círculo afro-religioso, Glacy retrata a misoginia como um fragmento de um todo violento que precisa ser discutido desde o ambiente doméstico. Ela evidencia a importância de proporcionar estímulos positivos de formação social tanto no ambiente familiar como na escola, reconhecendo que é nesse contexto que circulam os preconceitos, mas também as possibilidades de mudança.
“Crianças e jovens precisam de bons estímulos de formação social no ambiente familiar e ainda na escola. Todo processo de aprendizagem precisa estar conectado com os problemas do mundo”, destacou.
Para Glacy é responsabilidade de todos coibir essas práticas, acionar redes de proteção e reconhecer que as mulheres precisam de ajuda. Ela destaca a importância do autocuidado feminino e do debate sobre o empoderamento das mulheres nos tempos atuais. “Isso requer tempo, disponibilidade e a disseminação de informações claras que valorizem o papel das mulheres na sociedade.”
A pesquisadora também destaca a necessidade de uma sociedade mais plural, onde o bem-estar seja compartilhado de forma justa e igualitária.
“Precisamos nos proteger! E mais ainda: esclarecer que nossa sociedade precisa compartilhar o bem viver e isso só é possível com uma sociedade justa, igualitária e plural”, pontuou.
Conquistando seu lugar
Julia Kahane, atriz, dançarina e cantora manauara, traz uma perspectiva única sobre o combate ao sexismo em sua vida e carreira. Formada em Artes Cênicas pela Faculdade Casa das Artes Laranjeiras (CAL), no Rio de Janeiro, Julia sempre se sentiu confortável em expressar sua personalidade e opinião, independentemente do ambiente em que estivesse.
Desde sua infância, Julia enfrentava situações sexistas e nunca hesitou em confrontá-las. Mesmo sendo uma mulher branca e privilegiada, com o apoio de sua família, ela sentia que tinha que lutar pelos seus direitos. Infelizmente, essa postura nem sempre foi bem recebida, resultando em episódios de violência verbal e até mesmo física por parte de homens.
Ela compartilhou um incidente específico que ocorreu em 2017, logo após sua formação como atriz, quando estava ávida por oportunidades de trabalho. Julia fez um teste para uma peça infantil e foi aceita pelo diretor.
No entanto, em determinado momento, durante uma reunião, foi humilhada publicamente pelo diretor que a discriminou por seu peso, dizendo que não tinha o “perfil” adequado para o papel. Esse episódio exemplifica o sexismo e o preconceito enfrentados pelas mulheres no campo artístico. “Por ser homem e estar em um lugar de poder, ele se sentiu no direito de me descredibilizar.”
“Eu acredito que a mudança vem através de atitudes e de como a gente se coloca. É nas pequenas ações diárias: meu trabalho, minha relevância, como que eu me expresso, como eu falo, como eu me posiciono. Eu combato dessa forma. E não acredito que existe uma fórmula mágica ou uma maneira de combater a misoginia, porque cada uma tem a sua maneira de trabalhar isso, de acordo com sua realidade”, explicou.
A artista cita uma frase marcante da cantora internacional Beyoncé, que diz. “Durante muitos anos, vários homens, em mesas e lugares, negaram apoio a mim. Então, decidi pegar o machado, cortar a madeira, construir a minha própria mesa e a escolher quem eram as pessoas que iam compor a mesa no trabalho que eu desenvolver.”
Essas palavras ressoam em Julia, que acredita na importância de construir seu próprio espaço e escolher as pessoas com quem deseja trabalhar, não se submetendo às limitações impostas pelo sexismo e pela discriminação.