Gabriela Brasil – Rios de Notícias
AUTAZES (AM) – A partir da descoberta de um grande depósito de potássio a 22 quilômetros do município de Autazes, no Amazonas, em uma região de 155 quilômetros quadrados de extensão, a empresa Potássio do Brasil lançou um projeto grandioso: tornar o Estado amazonense o maior produtor de fertilizante do país.
A reserva de potássio em Autazes foi reconhecida pelo próprio Ministério da Agricultura como potencial para ajudar a suprir a necessidade do Brasil em produção de fertilizantes, reduzindo a dependência de importação de países como a Rússia, hoje entre as maiores produtoras mundiais.
A promessa de fomentar a economia, gerando novas vagas de emprego e renda no Amazonas, assim como resolver a dependência do Brasil na aquisição de fertilizantes, atraiu apoio de autoridades como o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin (PSB), o governador do Amazonas Wilson Lima (União Brasil) e do reitor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Sylvio Pulga.
Em recentes visitas ao Estado, Alckmin disse que “mineração bem feita gera riqueza, gera renda, gera emprego“, comentou durante reunião do Conselho Administrativo da Suframa (CAS). “Vamos trabalhar para ter um entendimento com o Ministério dos Indígenas e também com o Ministério do Meio Ambiente. Hoje em dia é perfeitamente possível você conciliar desenvolvimento em sustentabilidade”, afirmou o vice-presidente ao se referir à exploração do potássio no Estado.
Esse discurso é endossado pelo governador Wilson Lima, que chegou a anunciar, ainda durante a primeira visita de Alckmin ao Amazonas, em abril, a criação da Secretaria Executiva de Mineração, Energia, Petróleo e Gás (Semep).
Apesar de ainda não ser efetivamente operacionalizada, a estrutura já aparece no detalhamento das atividades da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (Sedecti), órgão ao qual está vinculada.
“O atendimento às demandas cada vez maior da sociedade moderna, impõe a necessidade da inclusão da atividade de mineração no processo de desenvolvimento social, econômico e ambiental dos estados e municípios, compatibilizando-a com as demais vocações econômicas de cada território. Mas, a garantia do suprimento de insumos minerais passa pelo planejamento, desenvolvimento de novas tecnologias e pela gestão pública.
Geologicamente, o estado do Amazonas é caracterizado por uma extensa cobertura sedimentar fanerozóica, distribuída nas bacias Acre, Solimões, Amazonas e Alto Tapajós. A produção mineral atual no Estado está concentrada na lavra e no beneficiamento de minérios como a cassiterita, columbita e tantalita, além do alto potencial de potássio e água potável de mesa”
Atribuições da Semep / Fonte: Sedecti
Para o economista Mourão Júnior, “é possível ver uma maneira ambiental para que se possa utilizar esse minério e desenvolver o Amazonas”. Ele destacou que o potencial da extração da mina poderia colocar o Brasil como agente exportador de potássio. “Seria uma fonte de renda ao município de Autazes, ao Estado do Amazonas”.
Ele também considerou que o empreendimento estabeleceria uma outra fonte de renda, além da Zona Franca de Manaus (ZFM). “Precisamos criar alternativas econômicas para além da Zona Franca, que vem tendo desgates ao longo dos anos. A extração do potássio e de outros minérios seria uma alternativa”.
Atividades em terra indígena
Dentro da projeção da mineradora canadense Potássio do Brasil, o empreendimento produziria cerca de 2,4 milhões de toneladas de cloreto de potássio por ano e mais de 1,3 mil postos de empregos diretos anuais, em fase de operação, além de 16.900 indiretos.
No entanto, na esteira desenvolvimentista, o projeto atravessa diretamente o modo de vida e os recursos das comunidades indígenas Lago do Soares e Vila do Urucurituba, do povo Mura, localizado próximo às águas barrentas do rio Madeira.
A princípio, o projeto da mineradora situava o empreendimento nas proximidades das comunidades indígenas. No entanto, durante inspeção judicial realizada no dia 29 de março de 2022 na aldeia Soares, com a presença da Juíza Jaiza Fraxe, foi constatado que a base de exploração e perfuração pela Potássio do Brasil estava dentro das terras indígenas.
“O que pensávamos que estava sendo discutido era o impacto do empreendimento fora do território indígena. Mas, na verdade, as atividades pretendidas seriam dentro da própria terra”, disse o procurador da República Fernando Merloto Soave em coletiva de imprensa.
A inspeção judicial também detectou pressão e coação por parte da mineradora contra os indígenas, com o intuito de forçar a venda de suas terras. “Nesse cenário, pedimos à Justiça Federal que paralisasse todo o processo de consulta, já que existe uma demarcação a ser discutida”, disse o procurador.
A mineração em terras indígenas é ilegal, conforme a Constituição Federal, e só pode ser realizada “com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei”.
O que diz a Potássio do Brasil?
Ao portal RIOS DE NOTÍCIAS, a Potássio do Brasil afirmou que o empreendimento está “100% fora” das terras indígenas, e que mantém o compromisso de levar para Autazes “o que há de mais moderno em termos de tecnologia”.
“Potássio do Brasil tem como princípio respeitar as normas ambientais e os direitos dos povos indígenas e tradicionais e reconhece a importância da Consulta do Povo Mura, que tem suas terras a cerca de 8 km de distância das futuras instalações industriais do Projeto Potássio Autazes”
Nota emitida pela empresa
Para trazer o cloreto de potássio para a superfície, serão perfurados dois poços, com cerca de 800 metros de profundidade. Segundo a empresa, a produção anual do produto corresponderá a 20% do total demandado no país. Hoje, o Brasil é o segundo maior consumidor de potássio no mundo, mas sua produção atual é de apenas 5%.
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Durante a fase da construção dos poços e da planta mineradora, a empresa aponta o surgimento de 2,6 mil postos de trabalho diretos e outros indiretos. Em nota, a empresa destacou que “tem o compromisso de buscar contratar 80% da sua necessidade de mão de obra na região de Autazes”.
Medidas judiciais
Desde que a Potássio do Brasil anunciou a descoberta da mina em Autazes, em 2010, a empresa tem aguardado licença ambiental para seguir com o projeto de exploração de minério. Ao todo, o processo de licença ambiental passa por três fases: licença prévia, instalação e operação.
Nesse período, a empresa já acumulou uma série de atropelo de normas e etapas ambientais e denúncias recebidas pelo Ministério Público Federal (MPF), além de multas da justiça. Um ano antes do anúncio da descoberta da mina, a Potássio do Brasil empreendeu pesquisas de campo em Autazes, com a autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
Ao mesmo tempo, as pesquisas também foram feitas no território indígena January, sem consulta livre e prévia com as comunidades indígenas. A consulta prévia é uma etapa obrigatória pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Os governos estabelecerão ou manterão procedimentos pelos quais consultarão estes povos para determinar se seus interesses seriam prejudicados, e em que medida, antes de executar ou autorizar qualquer programa de exploração desses recursos existentes em suas terras”, estabelece a OIT.
Nos estudos realizados pela própria mineradora, o empreendimento foi classificado como “excepcional e de “alto risco” para as comunidades que moram na região. Ainda assim, o Instituo de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) concedeu, em julho de 2015, a Licença Prévia nº 54/2015, excedendo a competência que seria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente Ibama e dos Recursos Renováveis (Ibama), por ser um território sob responsabilidade da União.
Em 2015, o MPF recebeu denúncias de que a empresa realizou perfurações em território indígena, causando danos em um cemitério indígena. No ano seguinte, o órgão entrou na justiça para pedir a suspensão Licença Prévia concedida pelo Ipaam, e a suspensão das atividades da Potássio do Brasil até a realização de consulta prévia.
Em seguida, de acordo com o MPF, a mineradora passou a pressionar comunitários de Autazes e líderes indígenas. Após o Ministério Público entrar, mais uma vez, na justiça, a mineradora aceitou o acordo de realizar consulta prévia.
Com a pandemia da Covid-19, a consulta prévia com os indígenas precisou ser paralisada. Ainda assim, denúncias de coação contra indígenas continuaram. Em razão da grave situação, foi realizada uma inspeção judicial este ano, quando foi constatado atividades da mineradora em terras indígenas.
A partir dessa descoberta, e com o resultado do relatório antropológico solicitado pelo MPF, o qual demonstrou a tradicionalidade e ocupação dos Mura há pelo menos 200 anos no território, o Ministério Público Federal solicitou a demarcação da terra indígenas Soares/Urucurituba, e o fim da consulta prévia.
Em maio de 2023, a empresa Potássio do Brasil foi multada pela Justiça Federal a pagar R$ 100 mil por descumprir a decisão de retirar placas instaladas na terra indígena Soares, e por agir de “má-fe” contra os indígenas Mura.
“Nesse cenário, pedimos à Justiça Federal que paralisasse todo o processo de consulta, já que existe uma demarcação a ser discutida”, disse o procurador da República Fernando Merloto Soave em coletiva de imprensa.
Ameaças
Morador da comunidade indígena Lago do Soares, Sergio Mura relatou ao portal RIOS DE NOTÍCIAS que o cenário de ameaça é constante, desde que o empreendimento passou a atuar na região.
No entanto, conforme Sergio, as ameaças se intensificaram após a visita do Grupo de Trabalho da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), nas comunidades Soares e Urucurituba. A visita aconteceu no final de março deste ano.
Isso porque, segundo relatam líderes indígenas durante coletiva de imprensa do MPF, uma onda de Fake News cresceu em volta da demarcação de terras. Falsas informações diziam que a demarcação das terras indígenas roubaria propriedades de fazendeiros e outros comunitários. “Chegaram ameaças de que iam dar tiro na gente”.
“Eles dizem [fazendeiros] que estamos atrapalhando o desenvolvimento do município, e que é o Tuxaua que denuncia [ao MPF]. Na verdade, estamos lutando pelo nosso território que nós temos direito. Está na Constituição”, defendeu Sergio Mura.
Comunidade não apoia
Ao todo, cerca de 115 famílias indígenas e 51 famílias não-indígenas moram na comunidade Lago do Soares. Já na comunidade Urucurituba, vivem cerca de 53 famílias indígenas e 128 não- indígenas, conforme os dados do levantamento feito pela mineradora Golder Associates, em 2015.
De acordo com Sergio, aproximadamente 80% dos indígenas não apoiam o empreendimento da Potássio do Brasil por compararem o cenário parecido com outros projetos que impactaram diretamente as populações próximas, como o caso da barragem que se rompeu em Brumadinho, em Minas Gerais.
“O Lago do Soares tem sua opinião. Para a gente que mora aqui não é vantajoso. Sabemos que [o empreendimento] vai trazer benefícios para o município. Mas, quem garante que vão investir na comunidade?”
Sergio Mura, morador da comunidade Lago do Soares
Para Sergio, o principal problema do projeto é a falta de propostas mais seguras e com menos riscos para as populações indígenas. “Não tem nada certo. Se não houver demarcação corremos grande risco”.
“A empresa só fala coisa boa. Mas, cadê o outro lado? A gente sabe que o empreendimento tem um lado positivo e outro negativo, e a gente que mora perto corre risco. Só a gente sabe o que pode acontecer com a poluição da água ou do subsolo. A gente mora bem, sossegado e sem perigo. A comunidade tem isso em mente”.
Sergio Mura, morador da comunidade Lago do Soares