Vívian Oliveira – Rios de Notícias
MANAUS (AM) – “Recebo este prêmio menos como honraria pessoal, mas mais como desagravo pelos artistas brasileiros ofendidos por esses anos de estupidez e obscurantismo”. Assim disse Chico Buarque no púlpito do Prêmio Camões, de literatura de língua portuguesa, em uma cerimônia em Sintra, em Portugal, nesta segunda-feira, 24/4.
Levaram quatro anos para que o prêmio chegasse às mãos do cantor, compositor e escritor de 78 anos. Entre os motivos da demora está a recusa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em assinar a documentação necessária para que o artista recebesse o diploma por ter sido vencedor da 31ª edição do Prêmio Luiz Vaz de Camões de Literatura em 2019.
“Valeu a pena esperar por esta cerimônia marcada, não por acaso, para a véspera do dia em que os portugueses festejam na avenida Liberdade a Revolução do Cravos. Lá se vão quatro anos que o meu prêmio foi anunciado e eu me perguntava se haviam me esquecido”, disse.
“Reconforta-me lembrar que ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma de Camões, deixando o espaço em branco para a assinatura do nosso presidente Lula”, afirmou ele.
Chico também relembrou o tratamento que Bolsonaro dava à classe artística, tratando-os como adversários e recebeu o prêmio como reparação das afrontas sofridas.
“Quatro anos de governo funesto duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás. Aquele governo foi derrotado nas urnas, mas não podemos nos distrair. A ameaça fascista persiste”, alertou.
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Falando antes, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, citou a grandiosidade da obra de Chico Buarque e contextualizou por meio de um fato curioso a respeito do artista americano Bob Dylan.
“Quando Bob Dylan ganhou o Nobel da Literatura, os jornalistas foram pedir uma reação à Leonard Cohen, que respondeu: ‘foi como darem uma medalha ao Everest por ser a montanha mais alta’. É claro que o Everest não precisa de medalhas porque é maior do que qualquer montanha ou qualquer medalha. Não seria, aliás, logisticamente fácil condecorar uma montanha”, brincou.
“Se até o ‘everest’ Dylan teve seus detratores, sabemos que aqueles que em diversas instâncias, não gostaram do Camões, assim como de Chico, se dispensaram do absurdo de alegar deméritos, conquistando, invés disso, as ideias e as opiniões do cidadão Francisco Buarque de Holanda que por elas deu a cara tanto em liberdade como em ditadura”, destacou Sousa.
Em seu discurso, o presidente Lula disse que a obra de Chico Buarque transformou o cotidiano das pessoas em poesias. “Chico conseguiu sintetizar as paixões e os desejos de tantas ‘Joanas e Joões’, de tantas ‘Teresas e Josés Costas’, de tantas ‘Genis’ e ‘Pedros pedreiros’, de tantos guris e mambembes de nossa gente. Mas a vasta contribuição de sua obra mostra que arte e cultura estão entrelaçados com a política e com nossos ideais de liberdade e democracia”, declarou.
“É uma satisfação corrigir um dos maiores absurdos cometidos contra a cultura brasileira nos últimos tempos”, disse Lula.