Redação Rios
BRASÍLIA (DF) – Para alertar sobre a importância da verificação de informações suspeitas, a fim de evitar a propagação de falsas notícias, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem adotado medidas para barrar a ‘indústria de fake news’, que além de promover graves consequências, ainda refletem negativamente na imagem dos jornalistas que apuram os fatos e noticiam informações verídicas e de qualidade.
Nesta quarta-feira 29/11, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que empresas jornalísticas podem ser responsabilizadas por declarações feitas em entrevistas, quando essas tiverem indícios de falsas declarações.
O STF aprovou uma tese que trata da possibilidade de responsabilização civil de empresas jornalísticas que publicarem entrevistas que imputem de forma falsa crime a terceiros, quando há indícios concretos de que as declarações são mentirosas. A tese foi elaborada pelo ministro Alexandre de Moraes, com mudanças propostas por Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
O texto diz que “a plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização”.
Essa responsabilização, que pode incluir remoção de conteúdo, seria por “informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais”.
“Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”, diz a tese aprovada pelo Supremo.
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Se por um lado possa parecer que a liberdade de imprensa foi afetada, o que o Supremo Tribunal Federal pretende é fortalecer a conduta desejável esperada do profissional de imprensa, uma vez que o esclarecimento da população é fundamental, principalmente nessa questão, que a cada dia tem informações desencontradas, com a possibilidade de gerar impactos significativos, e quem sabe irreversíveis.
As entrevistas são elementos fundamentais para o exercício do jornalismo nas redações, e claro, na qualidade das informações que chegam à população. A Corte se debruçou sobre uma tese de repercussão geral que definiu as circunstâncias em que um meio de comunicação pode ser responsabilizado civilmente por declarações feitas em entrevistas, em especial quando estas imputam a prática de crimes e atos ilícitos a terceiros.
O julgamento desta quarta vinha provocando reações de entidades que defendem a liberdade de imprensa e de expressão no país.
Nove organizações, incluindo a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a ONG Repórteres Sem Fronteiras, afirmaram em manifestação que havia risco de “verdadeira e indesejável autocensura” nos veículos de comunicação brasileiros, a depender da decisão que os ministros tomariam.
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Após o julgamento, a presidente da Fenaj, Samira de Castro, disse que a tese elaborada agora cria “um grau de responsabilização minimamente condizente com nossas preocupações da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão”.
“Esse dever de cuidado que os ministros citam é, na verdade, o fato de você ouvir o outro lado e dar espaço para o contraditório na medida em que o seu entrevistado impute o que posteriormente for chamado de falso crime, [como] calúnia, injúria e difamação”, diz Samira.
Segundo Samira de Castro, isso “abre espaço para um jornalismo responsável, que pratique de forma ética o direito ao contraditório.”
O caso concreto que deu origem a essa ação já foi julgado em sessão do plenário virtual (no qual os votos são publicados em um sistema eletrônico da corte) que começou em 2020 e, devido a interrupções, só se encerrou em agosto deste ano.
Esse caso concreto é um pedido de indenização contra o jornal Diário de Pernambuco por uma entrevista publicada em 1995. O STF manteve por 9 votos a 2 uma condenação do STJ (Superior Tribunal e Justiça) contra o veículo.
O processo que chegou ao Supremo trata da disputa do ex-deputado Ricardo Zarattini Filho, que já morreu, contra o Diário de Pernambuco.
O ex-parlamentar foi à Justiça contra o jornal devido a uma entrevista na qual o delegado Wandenkolk Wanderley, também já falecido, dizia que Zarattini tinha participado do atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, do Recife, em 1966.
A defesa de Zarattini sustentou que a informação não é verdadeira, que ele não foi indiciado ou acusado pela sua prática e que não foi concedido espaço para que ele exercesse seu direito de resposta.
O ex-deputado foi derrotado no Tribunal de Justiça de Pernambuco, mas ganhou o processo no STJ, com indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil.
O jornal recorreu ao Supremo. A defesa do Diário de Pernambuco afirmou que a decisão do STJ contraria a liberdade de imprensa e que a condenação se deu pela mera publicação da entrevista, sem qualquer juízo de valor.
Ressaltou a relevância do caso sob os pontos de vista jurídico e social e que fica em jogo a atuação dos veículos de comunicação, dado o risco de limitar o exercício constitucional da liberdade de imprensa.
Apesar de terem mantido a condenação do jornal, os ministros ainda não haviam decidido a respeito da tese que seria válida para outros casos similares. Essa discussão foi pautada para a sessão desta quarta, com a aprovação da tese.
*Com informações da Folha de São Paulo